O desafio de se comunicar bem

Na integra

Imagine dois profissionais de perfis opostos. Um é prático, argumenta e se expressa com clareza e objetividade. Em reuniões, expõe opiniões com desenvoltura. Seus e-mails são curtos. O outro é introspectivo, tímido. Dado a reflexões, preocupa-se sempre em pensar mais antes de falar. Não raro, sai de reuniões sem abrir a boca. Seus e-mails são pontuados por considerações e ressalvas. Ambos são reconhecidos como bons profissionais. Mas qual dos dois se comunica melhor? Qual é o desafio de se comunicar bem?

Segundo a consultora Vivien Chivalski, que ministra seminários sobre comunicação corporativa, técnicas de apresentação, redação empresarial e formação de comunicadores, responder a essa pergunta com base apenas nas informações acima seria um erro. “Na comunicação, não importa como você é, importa com quem vai falar. É nesse contexto que entra o desafio de se comunicar bem”, diz ela.

Para a especialista, mesmo os mais tímidos podem aprender técnicas para desenvolver capacidade de expressão, assertividade e abordagens eficazes de comunicação. Da mesma forma, pessoas com dificuldade de se expressar por escrito podem exercitar tal habilidade. “A técnica é o mais fácil”, garante. O “pulo do gato”, no entanto, estaria na capacidade de adaptação da pessoa às diversas situações de interação. Isso envolve conhecer o interlocutor, colocar-se no lugar dele, escutá-lo.

Ela dá um exemplo: “A sede da empresa vai mudar do bairro A para o B. A pessoa encarregada de informar os colaboradores prepara um e-mail expondo as razões da mudança e suas implicações para o funcionamento da empresa. Mas… e quanto às implicações para a vida dos funcionários?” Levar em consideração esses fatores – por exemplo, como o novo endereço afeta os deslocamentos diários entre empresa e residência, ou quais serviços e facilidades o novo bairro tem a oferecer para os funcionários – ajudaria a estabelecer uma comunicação mais eficaz.

O que caracteriza uma boa comunicação

“As pessoas dizem: a boa comunicação é clara e objetiva. Eu concordo. Mas o maior desafio de se comunicar bem é: clareza e objetividade para quem?”. Nas palavras da professora, para vencer o desafio de se comunicar bem é preciso aceitar que essa “é uma relação de adaptação o tempo todo, que requer mais do que habilidades, requer atitudes, como empatia, inteligência emocional e social, escuta ativa”.

Nos cursos que ministra, como os que oferece na Integração, Vivien costuma dizer que, se houvesse uma equação para ultrapassar o desafio de se comunicar bem, assim ela seria descrita: 1O3A. Ou: Observação, Análise, Avaliação e Ação. É preciso, segundo essa equação, observar e analisar o contexto, primeiro, para depois avaliar o que deve ou não ser comunicado, para quem e como deve ser comunicado. E só então partir para a ação concreta, seja ela redigir um e-mail, pronunciar-se em uma reunião ou, mesmo, calar-se. “As pessoas costumam agir primeiro. Só quando percebem que algo não deu certo é que vão observar, analisar e avaliar. Aí eu brinco que entra um outro A, o do Arrependimento.”

Qualquer pessoa que já enviou um e-mail um pouco mais exaltado para um colega de trabalho sabe do que ela está falando.

De acordo com a especialistas, o é que muitos dos profissionais que ela atende argumentam “não terem tempo a perder” com a reflexão anterior. “Principalmente os profissionais de áreas produtivas ou muito especialistas em suas áreas dizem: ‘Eu tenho é que trabalhar, não posso me preocupar com a comunicação’”, diz. “Como se fosse possível trabalhar sem fazer comunicação.”

Os riscos de não se comunicar bem

Os resultados de tal negligência, argumenta Vivien, podem custar mais do que aparentam: “Quantos e-mails são trocados sob base de emoções negativas? Quantos são enviados apressadamente, só para depois eu ter de ligar para o destinatário e confirmar que, sim, ele havia lido e entendido a mensagem? Qual o número dos que são disparados com cópia para todos, mesmo que alguns não estejam envolvidos? E quantos são enviados só para eu me livrar da ‘batata quente’ ou para colocar temor: ‘O chefe está sabendo”?

Ela cita uma pesquisa da revista Exame que afirma que o profissional brasileiro utiliza, em média, duas horas por dia lendo e redigindo e-mails. E continua: “Agora imagine que cada e-mail sem resultado custasse à empresa um centavo – o que não é verdade, custa até mais. O quanto as empresas estão jogando no lixo porque seus profissionais não se comunicam bem?”

Embora, obviamente, não exista a receita infalível da boa comunicação, Vivien admite haver ingredientes indispensáveis para que um profissional desenvolva-se como um bom comunicador – e não apenas em seu cotidiano corporativo. A seguir, ela cita alguns desses ingredientes.

Quatro requisitos para se comunicar bem

1. Seja Claro, conciso, simples – para o outro

Preocupar-se com o entendimento do interlocutor numa conversa, ou do receptor de uma mensagem escrita, é regra básica, mas facilmente ignorada. Uma vez, num curso, as pessoas se apresentavam dizendo as siglas de seus departamentos: ‘Meu nome é João, do ABCD’ ou ‘Eu sou Maria, do XYZ’”, diz Vivien. “Elas estavam tão acostumadas a usar a sigla de seus setores que não percebiam que eu não fazia a menor ideia do que estavam falando.”

Para a professora, a concisão também é importante – “quem fala demais dá bom dia a poste”, brinca –, mas não pode vir às custas do entendimento ou do bom relacionamento. “Saber o quanto é preciso falar ou escrever é uma habilidade.”

E sempre ajuda ter em mente o princípio da simplicidade, principalmente na linguagem escrita, que costuma trair alguns vícios: As pessoas acham que, ao recorrer à comunicação escrita, você tem que colocar roupa de gala. Coisas como ‘vimos por meio desta’ ou ‘acusamos recebimento’, que só criam gordura e distração.

2. Tenha um propósito

Ser objetivo é ter um objetivo. Posso dizer que a objetividade vem antes das habilidades de ser claro, conciso e simples.”, diz Vivien. “Eu preciso saber qual é o meu propósito, qual resultado espero, para definir o que vou comunicar.” A definição de objetivos evitaria equívocos comuns no uso do e-mail corporativo, como o hábito de enviar uma mensagem com cópia para vários destinatários sem necessidade, ou escrever mensagens que precisam ser acompanhadas de explicações mais detalhadas ao telefone. “Muitas vezes a pessoa recebe um extenso e-mail, muito bem explicado, e envia de resposta apenas um ‘ok’. Mas ok a quê? A qual ponto do e-mail? Quer dizer, ela não estava comprometida com o resultado da conversa. Enviou a resposta só para se livrar da obrigação, sem compromisso.”

3.   Acredite que terá resultado

Um item que parece bobagem. No entanto, quantas vezes não se ouve, no dia a dia corporativo, reclamações como “não adianta falar com fulano, ele não resolve”, ou “um e-mail não vai resolver nada”? Vivien garante: Isso, nas empresas, tem um papel terrível, é uma atitude tóxica. As pessoas deixam de tratar dos problemas, empurram com a barriga, já falam desmotivados – ou pior, falam para os lados, reclamam para os outros, o que é uma atitude passivo-agressiva.” A ausência da comunicação por falta de visão de futuro, diz a especialista, é muito grave.

4.   Antes de falar, escute – o outro e a você mesmo

Não se deve interpretar o conselho literalmente. A escuta à que Vivien se refere é a observação do contexto, a tentativa de entender a posição do interlocutor – e a sua própria posição. E isso, às vezes, envolve uma mudança de comportamento: Não se trata de habilidades, mas de atitudes: empatia, inteligência emocional e social. É desafiador e instigante porque mexe com muita coisa. Nos meus treinamentos, às vezes, eu só preciso repetir uma frase que um aluno disse, para que ele perceba: ‘Agora que você falou, vejo que é pesado o que eu disse.’ Isso é muito mais profundo do que aprender técnicas: eu faço um curso de redação e melhoro minha escrita, pronto. Mas para mudar minha atitude, é preciso estar disposto a isso, ter a percepção de que a comunicação é estratégica, necessária e não pode ser segregadora. É um ato de humildade, se você pensar bem.”