No século passado, o mundo da liderança parecia mais simples. A maior parte do trabalho realizado em indústrias e empresas era de natureza operacional e técnica, e um pouco de conhecimento a mais era o suficiente para garantir a um profissional um cargo de chefia.
Até que tecnologias e meios de comunicação evoluem, a informação se dissemina e dá à luz uma nova economia, baseada menos em mãos(-de-obra) e mais em cérebros.
A competitividade se acirra: se antes um curso superior garantia uma posição de liderança, agora é preciso MBA, pós, especialização. E, então, um fenômeno curioso ocorre: na Era do Conhecimento, o conhecimento deixa de ser diferencial.
Se todos o têm em igual medida, outras competências, como relacionamento, inteligência emocional e comunicação, passam a definir quem pode ou não liderar pessoas.
Assim é a visão de Solange Aparecida Lima, psicóloga especializada em Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos, que ministra o curso Formação da Nova Geração de Líderes, na Integração Escola de Negócios. “Nas gerações anteriores, você não tinha um líder, tinha um chefe”, diz Solange. “Essa figura vinha com o valor do ‘manda-quem-pode-obedece-quem-tem-juízo’. A ordem ‘vinha de cima’ e tinha de ser cumprida, custasse o que custasse, doesse em quem doesse. Isso não funciona mais.”
Nesta entrevista, Solange fala sobre seu curso e sobre as competências e os valores que fazem de alguém um verdadeiro líder, hoje, e não apenas um chefe.
O que difere o antigo líder da nova geração de líderes?
Antes você tinha chefes, não líderes. O que fazia uma pessoa ser chefe era o conhecimento técnico e operacional: transformava-se em chefe aquele que tivesse maior conhecimento na equipe. Hoje, o conhecimento ainda é importante, mas, sozinho, não sustenta uma liderança. As pessoas não são valorizadas só por isso, mas pelo exemplo, pela capacidade de influenciar e de inspirar. [O consultor americano e autor do livro O Monge e o Executivo] James Hunter fala que o líder hoje não precisa movimentar braços e pernas, mas sim mentes e corações.
E como ele faz isso?
Pelo relacionamento. Por exemplo, como ele dá feedbacks, como ele percebe algo que não foi bom no colaborador ou na equipe e faz essas pessoas sentirem o valor que têm para irem em busca do seu desenvolvimento. É o líder coach: aquele que faz com que sua equipe cresça.
O “novo líder” também tem que lidar com um “novo liderado”: o profissional da geração Y, que vem ao mercado com uma série de características próprias que influenciam sua performance. Por exemplo: o imediatismo, a busca constante por novos desafios e a menor lealdade para com a empresa. Como liderar esse profissional?
Ele precisa mostrar às pessoas dessa nova geração os gaps que elas têm. Porque são pessoas muito ansiosas, querem “queimar etapas”, chegar a seus objetivos muito rapidamente. O líder precisa traçar metas fracionadas e acompanhar de perto, para que o liderado perceba seus gaps. Então, tem de usar o feedback e ferramentas de motivação, propor novos desafios e novos projetos… E outra coisa: ser coerente em suas atitudes. “Faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço” é um valor do passado. O líder que não for coerente não é respeitado, e a nova geração só segue alguém se ela acredita, confia e respeita.
Estilo de liderança e personalidade variam bastante. Mas seu curso também aborda valores, que é algo mais profundo. De quais valores o novo líder não pode abrir mão, em hipótese alguma?
Integridade. Caráter. Transparência. Nunca se falou tanto em ética – basta ver o povo indo às ruas –, porque ninguém aceita mais ser enganado. Se o líder não tiver caráter e transparência, não terá comunicação efetiva com sua equipe, e isso desencadeia uma série de fatores que vão interferir diretamente em sua liderança.
A comunicação também é outro ponto de destaque no seu curso. A Sra. pode falar um pouco sobre essa habilidade?
Gestão de pessoas se faz através de comunicação. Qualquer que seja a atividade: seja dar feedbacks, seja delegar uma tarefa, seja tomar uma decisão… O líder precisa estar atento à forma como se comunica, e muitas vezes não em palavras, mas em seu olhar ou em sua percepção do outro. Dedico muito tempo do curso para falar sobre percepção, porque nossa percepção é estruturada a partir da nossa experiência cultural, nossos modelos mentais, e o líder precisa estar isento de preconceitos, ter abertura para diferentes valores e formações em sua equipe.
Comunicação não se resume apenas a ser comunicativo, no sentido de ter facilidade para se expressar, não é?
De jeito nenhum. Em geral, é o que as pessoas acham. Alguém com facilidade para se expressar não é necessariamente um bom comunicador. Haja vista um famoso apresentador de TV que não deixa ninguém falar, só vale a opinião dele. (risos) Não é por aí. O bom comunicador sabe se expressar, mas sabe principalmente escutar o outro – não é ouvir, é escutar realmente.
A Sra. fala muito na importância do feedback. Também aí há um erro comum de compreensão do termo, não?
A palavra feedback está difundida em todos os cantos, mas poucas pessoas a entendem ou sabem praticá-la efetivamente. A maioria entende feedback como crítica, mas a crítica é sempre direcionada a uma pessoa, enquanto o feedback é direcionado para a ação que a pessoa realizou, e precisa estar estruturado sobre fatos e dados. A crítica magoa, ofende e nem sempre educa. Já o feedback identifica um fato ou atitude a serem melhorados. Em vez de dizer “Você foi muito grosso comigo”, eu posso dizer “Olha, quando você falou comigo hoje pela manhã, seu tom de voz estava diferente. Aconteceu alguma coisa?” Na primeira opção, eu falei que você foi grosso. Na segunda, especifiquei o seu tom de voz. As pessoas têm uma tendência a generalizar tudo. Por exemplo, em vez de dizer “Você vive chegando atrasado!”, eu posso dizer “Nesta semana, observei que você chegou atrasado nos dias tal e tal”. Percebe a diferença?
Outra “pedra no sapato” do líder parece ser a habilidade de delegar. Por que tanta gente acha difícil delegar?
Realmente, quando pergunto para os alunos sobre as competências com as quais eles sentem mais dificuldade, esta, sem dúvida, é elencada mais vezes. O aspecto que mais dificulta a delegação é a confiança. O líder não confia que as pessoas realizarão a tarefa exatamente como ele quer. Mas delegar é desenvolver pessoas. Quando você dá desafios, você está fazendo com que essa pessoa cresça. É um investimento, e envolve uma fase de trabalho árduo, em que você, como líder, precisa ajudar a pessoa durante o processo, apontando melhorias possíveis, mas também deixando ela inovar. Além disso, às vezes o líder não amadureceu suficientemente a transição do operacional para a gestão. O líder que delega tranquilamente já fez essa transição. E também é sempre bom lembrar que o líder delega autoridade, mas responsabilidade jamais! A responsabilidade é compartilhada o tempo inteiro. A sua foto como líder é a foto da sua equipe. Se der problema, é seu problema. Isso pode ser assustador.