No próximo dia 27, o Workshop de Notáveis da Integração receberá Pedro Mandelli com a palestra “Exercendo a liderança em 360 graus”. Além de professor da Fundação Dom Cabral nas áreas de liderança, comportamento organizacional e gestão de pessoas e de mudanças, Mandelli é um dos mais influentes e reconhecidos consultores do país. Ele também já conduziu processos de mentoring e counseling para mais de 200 executivos. Nesta entrevista ao blog Na Íntegra, Mandelli fala sobre o déficit de líderes nas organizações e o papel das lideranças no cenário atual de transformações rápidas e constantes. E ele garante: líderes não nascem prontos, aprendem a liderar.
Professor Mandelli, o senhor afirma que a demanda por liderança excede a oferta. A que se deve esse déficit de líderes?
Entre 1990 e 2000 houve uma grande transformação das empresas com o aumento da terceirização, das fusões e aquisições e a redução de níveis hierárquicos. Isso fez com que as organizações enxugassem seus quadros, e isso exigiu que os gestores buscassem a excelência na execução com um contingente menor de pessoas. Todos se voltaram para seus processos internos para conseguir tirar o melhor deles. O resultado desse cenário é que avançamos muito em termos de capacidade de execução. Só que as pessoas mudaram. Elas requerem líderes que as impulsionem emocionalmente, que criem ambientes que despertem nelas o desejo de realizar mais.
Os colaboradores das empresas não querem mais fazer algo só porque os chefes mandam. Houve, portanto, uma transformação na necessidade dos profissionais. Ou seja, ninguém admite mais um chefe que diga exatamente o que fazer. Os profissionais querem espaço, dar opinião e oportunidade para crescer. É aqui que entra a liderança. O líder deve conseguir que cada colaborador estabeleça uma relação com seu autodesenvolvimento e com a performance que a empresa exige. Ele deve criar um espírito de time. No entanto, o chefe que veio de uma formação apenas de execução não sabe fazer isso. Falta a ele o espírito de liderança, que agora tem conceitos, técnicas, táticas e truques novos. Isto é, falta compreender que líderes não nascem prontos, precisam aprender a liderar.
As empresas têm indicadores dessa falta de lideranças preparadas para lidar com esse novo perfil de colaborador?
Essa necessidade está estampada nos altos índices de turnover, em pesquisas de engajamento e nas doenças organizacionais. Você nota que a doença da década é a depressão. Ela está presente na sociedade como um todo, mas também está muito ligada ao ambiente organizacional, que está deteriorado. Há algumas pesquisas que apontam que a causa da demissão de muitos profissionais é o chefe, não a empresa. Uma companhia pode estar cheia de problemas e de desafios: esse é um ótimo ambiente para quem quer empreender. Mas se o chefe não sabe liderar, só consegue mandar fazer as coisas, o ambiente deixa de ser desafiador e torna-se tóxico, ou seja, é a qualidade da liderança que determina, em grande parte, a retenção de talentos.
Pelas suas colocações, concluímos que o papel do líder mudou no cenário atual. Como ele deve agir?
O líder tem de desempenhar três tarefas básicas. A primeira é manter o senso de urgência da equipe sem, no entanto, deteriorar seu moral. Senso de urgência é diferente de pressão. Ele representa ter consciência do risco pelo resultado. A estratégia organizacional e a busca por resultados devem ser transformadas em legados do grupo. Para isso, o líder precisa incutir nos colaboradores o senso de posse do trabalho (ownership), para que cada um se sinta dono do próprio trabalho. Ele tem ainda que implantar a accountability, criando medições e desafios, e deixar claro o que os profissionais ganham e o que perdem se atingirem ou não as metas.
A segunda tarefa é manter o esforço de alinhamento das pessoas aos valores organizacionais e aos desafios. Trata-se do orgulho de pertencer. E a terceira consiste em manter a equipe em estado de alerta. Isso pode ser feito por meio de algo que faz parte do rol de rituais da liderança: reuniões. Quando um líder realiza encontros estimulantes, ele tem um grupo entusiasmado.
Ainda dentro dessa caixinha do estado de alerta há algo fundamental: o líder deve dar sinais claros para quem vai bem, para os medianos e para quem vai mal. Os liderados observam várias características do líder, mas a que mais apreciam é o senso de justiça. Quando um líder trata todos da mesma forma, não está sendo justo. E, se ele trata da mesma maneira alguém que faz a diferença na equipe e alguém que entrega pouco, corre o risco de transformar um colaborador de alta performance em mediano. Ou seja, a equipe estará nivelada pela média. Liderar não é um ato popular. O papel do líder é extrair alta performance e fazer com que as pessoas queiram desempenhar suas funções de maneira cada vez melhor.
Alguém que se tornou líder, mas tem esse perfil de execução, pode adquirir essas habilidades desejadas de liderança que o senhor descreveu?
Como afirmei anteriormente, líderes não nascem prontos. Aprendem a liderar. Nas cerca de 400 pesquisas existentes no mundo sobre liderança há linhas completamente distintas. A mais sólida afirma que 30% da nossa capacidade de liderança vem da formação. Os outros 70% são conquistados com o aprendizado. Isso é uma boa notícia! Mesmo quem não nasceu com perfil de liderança tem 70% a ser aprendido. Quem não vai buscar conhecimento e acha que pode liderar somente com o que lhe é inato vai contar com a sorte: saber conviver não quer dizer saber liderar! E as pessoas aprendem naturalmente a conviver!
E tem mais: até os 30 anos de idade, todos nós aprendemos basicamente a conviver. Tem muita gente que ocupa posição de liderança sabendo apenas conviver. Por isso temos tantos péssimos líderes. Fazendo um paralelo, é como se alguém vivesse dentro de uma oficina, recebesse um martelo e uma ordem para fazer algo com ele. A pessoa sabe o que é o martelo, mas não entende bem como usá-lo. Vai precisar aprender para que serve e em que situações utilizar essa ferramenta. Para ser líder, não é necessário ter um arsenal de ferramentas, mas precisa saber a qual recorrer em diferentes situações.
São muitas as ferramentas à disposição da liderança?
Quem fez a melhor definição sobre ferramentas de liderança foi um professor que eu tive em 1990 na Universidade de Virginia, nos Estados Unidos. Ele dizia que ensinar liderança é ensinar um monte de coisinhas. Não é uma coisa grande, é um monte de coisinhas. É como abrir uma caixa de ferramentas e saber qual escolher para a finalidade certa. Você pega uma chavinha aqui, uma broca ali. Mas é preciso conhecer a caixa.
Vou dar um exemplo. Anteriormente, mencionei que o líder, para ser justo, deve tratar de maneira diferente as pessoas. Para isso, ele precisa olhar sua caixa de ferramentas e montar uma lista de reconhecimento e outra de gestão de consequência. A empresa não tem isso pronto. É tarefa do líder desenvolver esses aspectos. Sobre feedback, o que o líder diz para alguém que teve um feito fantástico? Deve dar os parabéns? Não, pois isso faz parte apenas do nosso aprendizado de convivência. Quando a pessoa não vai bem, como dar esse feedback? É na caixa de ferramentas que o líder adquiriu ao se aperfeiçoar que ele vai encontrar as respostas.
Num contexto de alta performance, em que é preciso desenvolver o senso de urgência, é possível para o líder conciliar a entrega de curto prazo com uma visão estratégica?
Há vários níveis de liderança e não podemos cometer o erro de pôr todos num grupo só. O que tem de estratégico para um líder que está no chão de fábrica comandando 30 operários numa linha de produção? O mais estratégico para ele seria aprimorar o que faz e garantir a segurança. Às vezes, ele não tem nem o controle da velocidade do processo.
Já no topo da pirâmide, há um líder que está mais preocupado com o negócio em si e lidera diretamente poucas pessoas perto dele. Mas ele precisa pensar estrategicamente sobre, por exemplo, como motivar um batalhão de pessoas. Há líderes no topo que têm 5 mil colaboradores abaixo dele. No meio, temos a gerência intermediária, que tem tanto atribuições de líder de execução, quanto o papel de participante ativo ou reativo de estratégias que vêm de cima. Eu diria que a gerência intermediária tem um papel nobre, mas é o mais complexo em termos de liderança.
Por que estar na posição de liderança intermediária é tão complexo?
A ponte balança muito nessa posição. A média gerência tem de dirigir para baixo, trabalhar para o lado com os pares e ser capaz de influenciar o topo. É uma liderança atuando em 360 graus. Acredito, inclusive, que a passagem para a média gerência deveria ser monitorada com a presença de um mentor. O profissional, muitas vezes, é ótimo na sua posição operacional e se lança numa posição em que entra a parte estratégica, algo que ele não está acostumado. Ele precisa de um ajuste de comportamento e de perfil. O mentor pode ser um grande aliado nesse processo de crescimento do líder já que o tempo para ele aprender a fazer a diferença num ambiente novo é muito curto – assim se perdem ótimos supervisores e se ganham péssimos gerentes. Todos já ouviram essa frase!