O que aprendemos até agora com o trabalho remoto?

Na integra

De repente, home office. Embora você tenha se adaptado para seguir executando tarefas, como você cresceu e o que de fato aprendeu com o trabalho remoto?

Quando, no início de 2020, a pandemia chegou ao Brasil, muitas empresas já buscavam implementar o trabalho remoto. Em muitas companhias, em especial nas multinacionais, os colaboradores eram incentivados a trabalhar de casa pelo menos um dia da semana. Sem mencionar as áreas nas quais o trabalho remoto já era algo bem estabelecido, como o setor comercial, por exemplo.

Para a grande maioria das empresas, no entanto, o home office chegou de repente, sem muito tempo para redesenhos físicos (a mesa da cozinha virou sala de reunião) ou emocionais (não tem colegas, cafezinho, descanso?). Ou seja, foi imposto pelas condições que o mundo atravessava, sem um período de adaptação.

Mas mesmo com toda a complexidade envolvendo sua chegada – ou justamente por causa dela – o trabalho remoto também veio para nos trazer alguns aprendizados. E é importante que a gente reflita sobre eles, para que não se percam em meio a nova normalidade que um dia chegará. 

Para Fábio Eltz, psicólogo e Head das Escolas de Liderança e Comunicação da Integração Escola de Negócios, é possível dividir estes aprendizados em três categorias: o eu, o ambiente, a interação. Vamos à eles?

O EU

Não estou sozinho, os outros também enfrentam dificuldades 

“O que notei inicialmente foi que muitos colegas e amigos estavam chocados, quase paralisados. Alguns até se desequilibrando emocionalmente. No bom sentido, ver essa instabilidade no outro me ajudou a manter o meu próprio equilíbrio”, conta Fabio. 

Não se trata de gostar da dificuldade alheia, mas de enxergar no outro a vulnerabilidade que também percebe em você – e entender que ela é natural, normal, humana. Por mais frívolo que possa parecer, relatos engraçados em grupos de WhatsApp com histórias de colegas tendo que conviver com marido, dois filhos e um cachorro em um minúsculo apartamento foram fundamentais. Eram essas histórias que nos tranquilizavam, nos davam a ideia de “poxa, não estou sozinho”. 

Homem tentando trabalhar no home office com criança

O que aprendemos? Que o supercolega é humano assim como nós e que ser vulnerável faz parte da vida, do crescimento, do processo de fortalecimento e da construção da coragem. E, claro, que procurar se manter sempre bem emocionalmente é importantíssimo, afinal, nunca sabemos quando uma crise surgirá.

Encarei desafios e fortaleci meu mindset de crescimento

O mindset é como sua mente está programada para pensar sobre determinado assunto. 

Pessoas com um mindset crescente não são mais inteligentes ou capazes. O que acontece é que elas acreditam que é possível evoluir e se desenvolver, e então se dedicam verdadeiramente para isso. Além disso, elas encaram as falhas como oportunidades de aprendizado, e não como comprovações de suas capacidades. Isto fortalece cada vez mais sua autoconfiança.

Mesmo sem se dar conta, sempre que você encarou a experiência de home office como um desafio, uma oportunidade de crescimento, você desenvolveu seu mindset de crescimento e fortaleceu sua confiança. E aqui não falamos só do trabalho em si, mas também de todas as tensões e problemas envolvendo o confinamento, o convívio extremo com apenas algumas pessoas, a rotina desfeita, etc.

Ressignifiquei minhas prioridades e o papel do trabalho na minha vida 

É verdade que mente ocupada não pensa bobagem. Foi importante ter trabalhos para entregar, conversar com outras pessoas, ter uma rotina produtiva. As demandas e atividades não só nos afastava dos problemas do dia a dia da casa (que antes não preenchiam tanto nosso tempo, afinal, estávamos no escritório), como também nos distraía dos números da pandemia, do medo, da insegurança provocada pela crise.

Claro que todos estavam tensos e que houve instabilidade, mas riscar um item na lista de entregas do dia se mostrou ainda mais terapêutico.

A questão foi conseguir equilibrar essa “terapia” com a vida fora do trabalho. Para muitos, a sensação era de uma quantidade de demandas acima do que o home office comportava. Mas, neste momento, fomos “forçados” a absorver grandes lições, que devem ficar conosco por ainda muito tempo: foi quando aprendemos a identificar prioridades, delegar sabiamente e aperfeiçoar maneiras de se manter organizado. 

O AMBIENTE

O ambiente ajuda nosso cérebro a entender quando é hora de trabalhar

Estamos acostumados a trabalhar em aeroporto, em cafés. Basta termos um laptop. A necessidade do trabalho remoto, no entanto, é esporádica para a maioria.

Neste quase um ano de home office, muitos descobriram que gostam de ter, em casa, um cantinho com cara de escritório. Ter um pouco de conforto ajudou a aumentar o foco e a concentração.  

Mulher trabalhando home office

“Outro aspecto importante é que um cantinho profissional ajuda o profissional a fazer a transição do horário de casa para o horário de trabalho. Quando ele se senta no escritório, sua mente entende que agora deve trabalhar”, explica Fabio. Claro que nem todos tiveram esta oportunidade. Muitos trabalham na mesa da cozinha. Mas, mesmo nesses casos, alguns itens ajudam o cérebro nesse entendimento, como o colocar do laptop sobre a mesa, junto com uma caneta e um caderninho, por exemplo.

A rotina contribui para a produtividade (e momentos de folga são fundamentais)

Uma bobagem para muitos, os rituais diários contribuem para demarcar mentalmente os horários de trabalho. A rotina ajuda a criar a impressão de compromisso. Quem não se programava, entre uma tarefa e outra, para dar uma pausa para um cafezinho, assim como fazia no escritório?

Essa percepção do tempo – e das pausas necessárias ao longo do dia – foi fundamental para não sentir a sobrecarga (em especial emocional) do trabalho remoto. Mas foi importante também para entendermos que, mesmo na empresa, esses momentos de confraternização, de troca, de respiro, são importantes. Eles melhoram nosso trabalho – e não o contrário como muita gente ainda acredita.

Rotinas como arrumar a “mesa do escritório” ao final do dia, anotar as pendências e fechar o laptop finalizam o trabalho na prática – e na mente. Significa que é hora da casa, da família, do lazer. Não desplugar nunca, esse sim é o perigo.

A INTERAÇÃO

Regras de convivência são mais importantes do que eu imaginava

No escritório, todo mundo chega mais ou menos no mesmo horário. Não sabemos quem acordou às 5h, correu 10k e leu todo o jornal antes de bater o ponto e quem em 20 minutos se levantou, se arrumou e chegou em sua mesa de trabalho. No home office, o ritmo biológico dos colegas tende a ficar um pouco mais exposto. E isso pode ser um problema.

No início parecia necessário estar disponível 100% do tempo, pois ainda não havia a confiança de que se estava trabalhando. Quando você demora para responder uma mensagem no escritório todos entendem que está ocupado. Se não responde durante o home office deve ser porque está tirando uma soneca (ou pelo menos isso é o que você imagina que todos estão pensando).

“Com o tempo a pessoa aprende a limitar esta disponibilidade a um horário fixo de trabalho, muito parecido com o horário de escritório”, explica Fabio. Com isso, aprendemos a administrar melhor o nosso tempo e também a impor alguns limites.

Quanto melhor minha comunicação no trabalho remoto, maior a confiança que recebo de todos

Explicar as coisas demanda tempo – um tempo muitas vezes escasso. No entanto, esse pequeno gesto garante maior entendimento com os colegas, mais clareza nas informações, menos retrabalho e, o melhor de tudo: maior confiança no seu trabalho.

Compartilhar deixa todo mundo mais seguro, melhorando inclusive o engajamento. “O compartilhamento de um plano de trabalho tende a deixar todos mais tranquilos. E a transparência tende a ser algo contagioso. Logo os colegas também passam a fazer isso e a comunicação da equipe como um todo melhora potencialmente”, conclui Fabio.