À beira da piscina de um hotel, Ronaldinho Gaúcho conversa com uma loira de biquíni, alheio ao homem que se aproxima por trás com um celular na mão, posicionado para registrar o encontro. O clique da câmera é inaudível. Antes que o jogador se dê conta da presença do paparazzo, a foto já foi distribuída para centenas de pessoas. Finalmente, Ronaldinho percebe o fotógrafo, sorri e o parabeniza pela tarefa cumprida. A cena não é verídica., mas aconteceu. A ideia foi ilustrar as novas regras dos jogos corporativos.
Quem a narra a história acima é Luis Zanin, head da Conquistar, empresa do Grupo Integração. A Conquistar desenvolve jogos e atividades vivenciais para empresas. Segundo Zanin, a prática de jogos corporativos evoluiu bastante nos últimos 20 anos. “As dinâmicas de grupo eram usadas pelo RH para identificar comportamentos ou desenvolver competências”, diz “E ainda servem para isso, mas podem ser utilizadas para muito mais”.
Entre as novas regras dos jogos corporativos está a transmissão de conteúdos, que foi o que se passou no episódio vivido por Ronaldinho Gaúcho – na verdade, um sósia dele. Dificilmente um folder ou um PowerPoint seriam tão eficazes. Zanin explica:
“Nosso cliente era uma empresa de telefonia que estava lançando uma linha de celulares. Os diferenciais dos aparelhos eram GPS, câmera fotográfica, acesso a redes sociais e ao e-mail. Em vez de fazer uma apresentação tradicional dos produtos para a equipe de Vendas, a empresa nos contratou para criar uma vivência prática dessas funcionalidades. Como toda campanha deles era baseada em futebol, desenvolvemos o desafio: espalhamos sósias de jogadores pelo hotel e enviamos instruções por e-mail à equipe. Utilizando coordenadas de GPS, os colaboradores deveriam encontrar os sósias dos jogadores, tirar fotos deles e compartilhar por redes sociais.”
A atuação da Conquistar
A Conquistar atende clientes de diversos tamanhos, nacionalidades e áreas de atuação. Para satisfazer os objetivos específicos de cada um, a customização dos jogos não é uma escolha, é uma necessidade. A Conquistar tem uma equipe fixa de coordenadores que trabalha com parceiros definidos projeto a projeto, que podem ser circenses, aventureiros, músicos, a depender da natureza do jogo.
Nenhum jogo faz milagre, diz Zanin. Porém, se bem feitos, ele garante que os resultados aparecem e são mensuráveis. Ele dá como exemplo uma atividade em que o board de uma indústria de alimentos multinacional se encontrou com crianças carentes em São Paulo para trocar experiências culturais. A atividade foi organizada pela Conquistar no Parque do Ibirapuera, em 2010. Ao final, a companhia fez uma doação substancial de dinheiro à instituição responsável pelas crianças, e sugeriu que cada diretor e VP ali presentes também contribuíssem por conta própria, a seu critério. A doação voluntária foi o dobro do valor da original, chegando a dezenas de milhares de dólares.
Na entrevista a seguir, Luis Zanin deixa claro que não existem “modelos de gaveta” ou estruturas rígidas para que um jogo vivencial funcione. O que não impede que se possam tirar lições importantes a respeito dos objetivos e da eficácia de sua atividade.
O jogo não faz milagres
Para empresas que buscam transformar comportamentos ou criar competências na equipe, Zanin alerta: as novas regras dos jogos corporativos permitem que eles sirvam como diagnóstico, não como tratamento.
“Quatro horas de atividade não vão mudar sua equipe. Mas o jogo pode servir como diagnóstico. Digamos que a visão do líder seja: ‘Está tudo errado na minha equipe, ninguém se entende’. E aí o jogo mostra o contrário. Por que eles se entendem no jogo, mas não na empresa? Será que é porque, no jogo, a comunicação é mais clara? Pode ser que falte clareza. Ou então: se uma pessoa se comporta mal no dia a dia, mas o ambiente ou a situação do jogo a fazem se comportar como a empresa esperava, será que o ambiente corporativo não precisa ser mudado? Não dá para transformar a empresa num resort, mas o ambiente talvez esteja pesado demais.”
O jogo não é remédio de dose única
As novas regras dos jogos corporativos também mostram que eles precisam fazer parte de um trabalho maior e mais duradouro, seja para identificar problemas, seja para consolidar soluções.
“Talvez a palavra tratamento se encaixe bem nesse tema, porque um tratamento, raramente, é feito com uma dose só. Na nossa parceria com a Integração, muitas vezes o jogo da Conquistar é inserido num programa maior. Aí faz sentido. O jogo pode servir no início, para fazer o diagnóstico da equipe, ou mesmo ser colocado no final, para sedimentar o conhecimento que foi passado ao longo do programa, fazendo a equipe passar por situações em que aquele conhecimento, aqueles conceitos, sejam colocados em prática.”
O jogo pode não curar, mas ensina
Graças às novas regras dos jogos corporativos eles também se tornaram uma oportunidade excelente para transmitir conteúdos. Os conceitos passados à equipe, quando aplicados na prática, ficam muito mais acessíveis.
“O jogo é uma grande ferramenta de transmissão de conteúdos, que podem ser os valores da empresa, os diferenciais do produto, como no exemplo da empresa de telefonia. Uma vez, fizemos uma convenção de planejamento de metas para uma companhia de marcas de bebidas. O briefing inicial era uma queixa das convenções anteriores, em que se alugavam hotéis belíssimos no Nordeste, no Sul, mas todo mundo ficava horas dentro de uma sala, só esperando pela festa à noite. O que fizemos foi intercalar as apresentações com atividades que usavam a própria estrutura do hotel – campo de golfe, cancha de bocha, parede de escalada, jet ski– para fixar os pontos fundamentais. Foi a convenção mais bem avaliada de todos os tempos daquela empresa.”
Defina objetivos claros
A eficácia da atividade vivencial vai depender dos objetivos – e do entendimento perfeito entre todas as partes. Quanto mais claros os objetivos, melhor. “Hoje temos menos tempo para realizar essas atividades, elas têm de ser mais claras no que estão querendo passar. Então, para um jogo dar certo, primeiro ele depende de um briefing bem passado e de que nós, da Conquistar, entendamos bem esse briefing. Os objetivos podem ser desde transmitir conteúdos até, simplesmente, deixar a equipe feliz. Já recebemos briefings assim: ‘Nossa equipe vendeu muito este ano, a gente quer que eles saiam felizes. Não venham falar de planejamento, de produto…’ O cliente não quer dar a tarde livre apenas, então a gente desenvolve atividades em que a equipe trabalhe junta, todos se conheçam… mas se divirtam!”
As regras do jogo devem ser simples
Quanto mais simples as regras, mais espaço o jogo dá para a criatividade dos participantes e para soluções fora da caixa.
“Quanto mais complexas e detalhadas as tarefas, maiores as possibilidades de você limitar as ideias ou atitudes dos participantes. A gente já foi surpreendido várias vezes, porque não há como prever as soluções encontradas para um mesmo desafio. Em uma atividade nossa, o desafio era construir uma torre usando três hastes de madeira que – nós imaginávamos – deveriam ser presas em cima. Um participante fez o contrário, prendeu embaixo… e funcionou! Se a instrução fosse ‘construir uma torre presa em cima, dessa forma aqui’, ele jamais teria feito aquilo. Cercear a criatividade é muito ruim para o jogo e para a empresa.”
Evite constrangimentos…
O jogo deve integrar cada participante em atividades que combinem com seu perfil e que colaborem para o resultado geral da equipe – como numa empresa.
“Quando surgiram os jogos vivenciais, havia muita atividade outdoor, de aventura. Tem muita gente hoje em dia com trauma disso. Para os monitores dessas atividades, o dia começa com dez quilômetros de corrida e mais vinte de pedalada. Se pedir para esses caras elaborarem uma prova leve, eles vão fazer o participante correr um quilômetro, nadar 500 metros. Para eles, é leve. Mas um jogo tem que levar em consideração o perfil dos diferentes participantes: o atlético, o calmo, o competitivo, o tímido… Como a gente resolve isso no jogo? Com diversas tarefas. ‘Vocês dois pedalam, porque gostam e podem, enquanto outros cinco fazem uma tarefa mais calma. Quem é bom de negociação, vai conversar com outras equipes etc.’ É ruim quando aparece aquele cara que não participa de atividade nenhuma; mas se isso acontece é culpa nossa e do briefing, não dele.”
A menos que este seja o objetivo
Novamente, tudo volta à definição clara dos objetivos. Às vezes, o objetivo é justamente tirar o participante de sua zona de conforto e provocar discussão.
“Muitas vezes os jogos são pensados para fazer as pessoas se movimentarem. A empresa quer mexer um pouco com o corpo mole, por exemplo, dizer que espera mais do colaborador. Um dos jogos mais curiosos que já desenvolvemos tinha a ver com questões éticas. Uma empresa começou a ver que, na competição do dia a dia, seus vendedores passaram a exibir comportamentos questionáveis. O que a gente fez? Criou um jogo com várias armadilhas éticas. Se uma equipe alcançasse uma soma de pontos acima de um número determinado, era porque fez algo que não deveria ter feito. Então, colocávamos os materiais de cada equipe – barbante, cola, tesoura etc. – muito próximos uns dos outros, fáceis de serem roubados. O jogo também usava dinheiro falso, com notas marcadas, e colocávamos algumas numa sala que ninguém poderia abrir. Quase todos caíram em tentação – e isso motivou a discussão depois.”