Comprar não é negociar. Segundo o professor, escritor e consultor de empresas A.J. Limão, comprar é comparar – uma mercadoria por outra, um produto por uma quantia de dinheiro. De acordo com essa definição, um profissional do setor de compras ou suprimentos de uma empresa que se limite a cotar preços e obter o mais barato não pode se considerar um bom negociador. A negociação, conforme explica o professor A.J. Limão é um jogo muito mais amplo, em que dezenas de variáveis, como estratégias, táticas e até o perfil do negociador, influenciam o resultado final.
Para dar apenas um breve exemplo da complexidade do jogo: invista no relacionamento com o seu fornecedor sem dominar as técnicas e você será o “encantador”. Domine as técnicas sem um bom relacionamento e será o “matador”. Acha bom? Desenvolva ambos e, enfim, se tornará um “negociador”.
Siga as dicas para ser um bom negociador
Lições como essa estão no livro Negociando em Qualquer Situação, de A.J. Limão, e também no curso Negociação para Compradores, que o professor ministra na Integração. Nessa entrevista, ele expõe mais algumas lições que ajudam um profissional do setor a deixar de ser apenas um comprador para se tornar um executivo de compras.
1- Sempre crie concorrência pelo seu dinheiro
Embora a frase acima pareça óbvia, esse é um dos erros mais frequentes que os executivos de compras cometem, aponta o professor A.J. Limão. “De um modo geral, o que acontece é que o comprador começa a se identificar mais com aquele vendedor que o atende melhor, que mais corresponde às suas expectativas. E passa, assim, a colocar mais pedidos para esse vendedor, até chegar ao ponto em que se criou um fornecedor único. Quando isso acontece, ele está fazendo o jogo do vendedor”, explica. “Sempre que for adquirir alguma coisa, o executivo de compras tem de gerar uma concorrência por seu dinheiro, para produzir uma posição de força do seu lado. Mesmo que um fornecedor seja estritamente recomendado, por mais capacidade técnica que tenha, ainda assim é necessário solicitar outras opções, para se ter poder de barganha”, diz.
2- Para o fornecedor, você é uma porta de entrada, mas não a única
O profissional que desconsidera a cadeia de decisão de compras dentro de sua empresa está sujeito a cair numa armadilha perigosa – e bastante comum. “O comprador tem uma posição de contato direto com o fornecedor, mas tem poderes limitados. Ele pode discutir preço, condições de pagamento, de entrega etc. Existem, no entanto, outros influenciadores atrás dele. Existe o responsável pelo centro de custos, alguém com poder financeiro. Há um técnico, geralmente um engenheiro, que especifica o que deve ser comprado. Sempre há um opinador, que pode ser o chefe ou gerente da área para a qual se destina o produto. E, finalmente, ainda existe o usuário, que efetivamente vai aplicar o produto. Se o fornecedor puder, com certeza vai tirar proveito disso”. observa A.J. Limão.
Um exemplo: “Vamos supor que você é o comprador e eu sou o fornecedor. Por causa do meu preço, você decide me barrar: ‘Eu não preciso do seu produto, tenho outro fornecedor, portanto, não perca tempo me visitando’. Nesse caso, eu posso dar um bypass em você e falar diretamente com o usuário. Conversando com ele, descubro que o produto que a sua empresa está usando cria uma demora no processo – por exemplo, leva cinco horas para secar, ou algo assim. Descubro também que o gerente do usuário implica com essa demora. Então eu digo para o usuário: ‘Meu produto seca em três horas’. Com toda certeza, plantei um problema para você dentro da cadeia de decisão.”
3- Prepare-se para negociar “dentro de casa”
Em suma, o novo perfil do profissional de compras inclui antecipar-se aos acontecimentos e gerenciar a cadeia de decisão interna. “O executivo de compras negocia com o fornecedor, mas também negocia internamente. Ele tem de gerenciar a cadeia de decisão da compra. Ou seja: verificar se o produto ou serviço adquirido atende a parte financeira, a parte técnica, a demanda de produtividade, as exigências de uso e aplicação. No exemplo que eu acabei de dar, o usuário vai informar sobre o produto concorrente para o chefe, que vai pressionar o especificador técnico, que, enfim, vai levar a questão para a diretoria. Aí você, o comprador, é chamado a explicar a situação por não estar gerenciando a cadeia interna”. explica.
O que se espera do novo profissional de compras é proatividade, que ele se antecipe aos acontecimentos, diz o professor. “Voltando ao exemplo, o comprador pode descobrir que o produto de secagem mais rápida traz maior produtividade e, apesar do preço mais caro, economia para a empresa. Ele deve, então, negociar com o financeiro antes de negociar com o fornecedor. Já em outros casos, deve negociar com a parte técnica, solicitando outros fornecedores para comparação. Caso contrário, o comprador vira refém do processo, agindo apenas como follow-upper.”
4- O blefe faz parte do jogo (a lição de Rogério Ceni e a “paradinha”)
Na opinião do professor A.J. Limão, a ética de uma negociação está na equivalência. Se aplicadas as mesmas regras para ambos, todo tipo de negociação é ética. “O que é ético numa negociação? Uma vez perguntaram para o [goleiro do São Paulo F.C.] Rogério Ceni se ele achava ético um jogador de futebol dar aquela ‘paradinha’ antes de bater o pênalti. O Rogério, que também é um grande batedor de pênaltis, respondeu: ‘Se eu posso fazer no gol do outro, o outro pode fazer em mim’. Essa é a base”.
A.J. Limão completa o raciocínio com outro exemplo: “Eu posso chegar para você e pedir 20.000 reais num carro. Digo que tem 100.000 quilômetros rodados, mas está em ordem. Você pode acreditar, pode ser pragmático e pesquisar o preço em outros lugares ou pode ‘entrar no jogo’. Se eu digo que levei ao meu mecânico e estava tudo em ordem, você retruca: ‘Então, não vai se importar se eu levar no meu mecânico’. Fazendo isso, você descobre que o câmbio exige conserto em seis meses, o motor em um ano, e que o custo total vai ser de 6.000 reais. Você, então, propõe 14.000 reais. Assim negociamos. ‘Mas, calma, você vai usar o carro por seis meses, por que eu tenho que indenizar o câmbio?’ Na medida em que eu tenho informação e você também pode ter, tudo isso é ético. Eventualmente, chegamos num ponto que atende aos dois.”
5- Troque vantagens, não tire vantagens
Um bom executivo de compras tem que se aprimorar nas técnicas de negociação que buscam atender a interesses de ambas as partes. “Existem vários perfis de negociador, e cada perfil prioriza uma técnica de negociação. A técnica que mais trabalhamos no curso é a ganha-ganha, ou vantagem-vantagem (VV), que é vantagem para mim e vantagem para você. Meu interesse, seu interesse”, explica o professor.
Um exemplo da técnica VV é o seguinte: você está me vendendo um produto por 100 reais. Pergunto: ‘E se eu vier buscar, em vez de você entregar, qual desconto você me faz?’ Eu lhe dou uma vantagem, você me dá outra. Em seguida, eu continuo: ‘Se eu instalar esse equipamento na minha empresa, em vez de você mandar o técnico, qual o desconto?’ De novo, trocamos vantagens. Ao pedir um desconto ainda maior, você pode me perguntar: ‘Tudo bem, mas você dobra a quantidade do pedido? Faz uma programação de compras?’ Veja que o negociador VV não é ‘bonzinho’, ele é interesseiro; mas procura equilibrar os interesses”, explica A.J. Limão.
E continua a exemplo: “Já o negociador VD (vantagem-desvantagem) age de forma diferente. “100 reais?! Com esse acabamento?!” Dessa forma, ele deprecia, para tirar vantagem. Essa técnica funciona, mas em algum momento virá o troco. Existe ainda o negociador DV (desvantagem-vantagem), que basicamente faz concessões sem exigir muito em troca, porque quer manter o relacionamento, a amizade.”
6- Você pode aprender a negociar melhor – mesmo se já for um bom negociador
Negociar não é uma questão de perfil, mas de técnica. E técnica sempre se aprende ou se aprimora. “Qualquer pessoa pode aprender a ser um bom negociador. Não é tanto questão de talento, e sim de técnica. Mas às vezes é preciso vencer algumas barreiras que vêm de criação. É o meu caso, por exemplo. Quando comecei a trabalhar em empresas e ver como eram feitos os negócios, cheguei a me sentir mal. Isso é algo que encontro em sala de aula: os alunos vêm com crenças muito fortes, em termos de princípios morais e éticos. Aí você faz cursos e começa, portanto, a entender a ética da negociação, a mudar sua programação mental”, diz A.J. Limão.
Aprendizagem contínua para ser um bom negociador
Como conclusão da entrevista, o professor afirma que mesmo os bons negociadores têm o que aprender. “No meu curso, os alunos, de modo geral, são pessoas experientes, conhecem muito, já praticam a negociação muito bem. Mas é interessante é que, mesmo assim, eles ficam surpresos. Dizem: ‘Eu pensava que sabia muito, mas aprendi mais’. Eles passam a entender o processo que faziam de maneira instintiva. Assimilam, portanto, os conceitos – as fases da negociação, as estratégias, as táticas – e conseguem multiplicar isso em qualquer situação. É um curso muito didático, a gente passa a teoria em forma de simulações, de role playing. Eles veem, então, o que faziam certo e o que podem aprimorar”, finaliza.
A.J. Limão é consultor da Integração Escola Negócios, onde ministra cursos de negociação na Escola de Vendas e Negociação.