Por Edson Herrero, head da Escola de Secretariado e do Assessment Center da Integração
Há coisas que descobrimos em momentos nada agradáveis, mas que potencializam outros tantos momentos de prazer e conexão com aquelas pessoas que, de uma maneira ou de outra, escolhemos conviver. Ficar em casa, nesses tempos de coronavírus (covid-19) e muito home office – para aqueles que podem utilizar essa estratégia de trabalho, evidentemente –, tem aberto o flanco da convivência com as pessoas próximas que se tornaram ainda mais próximas.
Ao ficar em casa, passamos a conviver em horário comercial com questões que haviam ficado para trás. Eu sou de uma geração criada com mãe em casa. Os pais eram apenas os provedores, poupados e economizados de toda natureza doméstica. Meu pai, por exemplo, não se envolvia em absolutamente nada – e assim eram os pais dos meus colegas da rua. Quando ele chegava do trabalho, tudo já havia sido resolvido, desde um simples machucado no joelho até o aproveitamento escolar, passando por consultas médicas no pediatra à reunião de escola, brigas de rua etc. Bom ou ruim? Não sei. Esse era, portanto, o modelo e tinha sua eficácia.
Novo modelo domiciliar
Hoje vemos um modelo da dinâmica familiar completamente diferente, em que todos estão fora, inclusive as crianças, que passam o dia na escola. Dessa forma, os encontros são esporádicos e contam com pouca quantidade de horas, geralmente à noite. Como consequência, ocorrem bem menos trocas e percepções sobre os valores e o sentido de viver junto. Se antes, na maioria dos lares, apenas os homens – pais como o meu – ficavam alheios ao que acontecia com a família, agora esse cenário é a realidade de quase todos.
Nesses últimos dias, tenho ouvido depoimentos de várias pessoas sobre como é ficar em casa. Percebo que há um resgate de estar junto das pessoas que escolhemos para viver, mas com as quais não vivemos de fato. Muitas vezes, apenas passamos por elas antes de dormir, durante discussões e conflitos ou para cobrá-las algo que não foi feito.
A nova perspectiva da vida domiciliar – ainda que temporária – poderá resgatar uma importante missão da essência da família. Esse passa pelo exercício permanente da gestão dos relacionamentos, o dar e receber afeto e perceber que o outro existe no grupo. Cada membro da casa não pode ser percebido como um hóspede de um hotel ou flat, mas sim como alguém que deve ter representatividade afetiva e emocional, que é dotado de qualidades e defeitos e precisa de amparo para seguir a vida, além de ser merecedor de algum tipo de legado (moral, afetivo, educacional e até espiritual).
Os ganhos de ficar em casa e resgatar o convívio familiar
Perceber essa realidade no seio da família e apropriar-se dela poderá gerar ganhos incríveis quando retornarmos ao nosso grupo de convivência organizacional. Provavelmente seremos mais conscientes do nosso inequívoco papel de líderes na condução das equipes. Até mesmo aqueles que não exercem nenhuma posição de comando podem se tornar melhores na relação horizontal com pares e clientes internos.
Já faz algum tempo que construo, nos programas de liderança que conduzo, esse paralelo entre a gestão de filhos (e da família) e a gestão de colaboradores. Sinceramente, não vejo nenhuma diferença em termos de entrega daquelas competências e virtudes humanas vitais para a formação do outro (filhos ou não). Essa lista inclui liderar pelo exemplo, ser assertivo, mas respeitoso com certa doçura, ter boa-fé, gratidão, consistência, verdade, transparência, compaixão etc. Sem tudo isso e outras tantas coisas mais não formaremos ninguém, não haverá compliance que dê conta, não haverá manual nem código de conduta ética suficientes. Então, vamos olhar para esse momento como um exercício de ressignificação pessoal. É tempo de reconexão com os valores intrínsecos de viver em grupo, de protegê-lo, ser protegido e de valorizá-lo em situações não tão dramáticas como o que estamos vivendo.