Demissão silenciosa: o que é e como o RH deve agir?

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Demissão silenciosa é um termo que ganhou destaque nos últimos anos. Do inglês “quiet quitting”, a expressão significa algo como desistir silenciosamente. Assim, ao contrário do que muitos pensam, não se trata de uma demissão de fato, mas de uma postura que vai na direção contrária à cultura do “vestir a camisa” e “ir além do esperado”, tão exaltada no mundo corporativo.

Demissão real x demissão silenciosa

A pandemia do COVID-19 não impactou apenas a vida social das pessoas, mas também a profissional. Muitas repensaram suas escolhas de carreira e, inclusive, entregaram seus crachás (mesmo não tendo outro emprego em vista). Tanto que em 2022 no Brasil, segundo o novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério da Economia, o país teve recorde em pedidos de demissão. 

No entanto, as pessoas não estão só pedindo para sair. Muitas querem apenas reduzir suas cargas de trabalho. É aí que entra o termo demissão silenciosa, que se refere justamente à atitude de fazer o mínimo. Algo não exatamente novo, mas que atualmente tem ganhado bastante destaque, especialmente nas redes sociais e entre a geração Z.

O que é demissão silenciosa ou quiet quitting?

A demissão silenciosa foi enquadrada de diferentes maneiras por diferentes especialistas, mas basicamente se resume a fazer apenas as tarefas necessárias associadas ao trabalho e não ir “além do esperado” dentro da descrição do trabalho. Em outras palavras, é o meio termo entre desempenho inferior e desempenho superior.

Culturalmente, é visto como uma rejeição da mentalidade da cultura agitada que há muito é associada ao sucesso na carreira e à ascensão corporativa. Em um sentido funcional, do ponto de vista do empregado, significa não permitir que mais de seu trabalho seja extraído por um empregador além daquele pelo qual ele está pagando.

Pesquisas mostram que aqueles em estado de demissão silenciosa têm muito em comum com os funcionários que “não estão engajados”: eles podem não estar ativamente desengajados, mas estão psicologicamente afastados do local de trabalho e não estão trabalhando da melhor maneira possível.

De acordo com o relatório State of the Global Workforce 2022 da Gallup, apenas 21% da força de trabalho global está engajada no trabalho, sendo que 19% está ativamente desengajada. Ou seja, podemos ter aproximadamente 60% da população trabalhadora global em uma situação de possível demissão silenciosa.

Por que a demissão silenciosa acontece?

Embora a demissão silenciosa seja um termo popular, essa prática não é nova. Os trabalhadores têm deixado seus empregos discretamente por anos para procurar algo novo, seja por causa de salários baixos, carga de trabalho incontrolável, esgotamento ou falta de oportunidades de crescimento. No entanto, durante a pandemia, a situação se agravou.

Um em cada quatro funcionários sofreram burnout 4 ou mais vezes em 2021, de acordo com o relatório Anatomia do Trabalho de 2022 da Asana. E foi justamente no segundo semestre de 2021 que a queda no engajamento começou, segundo a Gallup, impactando em grande parte os gerentes. 

O declínio geral foi especialmente relacionado à falta de clareza de expectativas, oportunidades de aprender e crescer, sentir-se importante e carência de uma conexão com a missão ou propósito da organização. 

Além disso, tivemos alguns fatores pontuais considerando a pandemia:

Busca por equilíbrio entre vida pessoal e profissional

Com o isolamento durante a pandemia, assim como a proximidade extrema entre vida pessoal e profissional, muita gente começou a questionar suas escolhas de carreira. Com isso, a vida pessoal passou a ser mais valorizada, assim como a busca por um maior equilíbrio entre casa e trabalho.

Desconexão entre gerentes e funcionários

Além disso, o trabalho remoto criou um distanciamento entre funcionários e gerentes. Conversas que antes aconteciam no corredor ou numa passada rápida na “mesa do chefe” agora precisam ser marcadas e se dão de forma virtual. Mais formais, essas reuniões acabam também ocorrendo com menor frequência, o que compromete a conexão entre os funcionários e a gerência. A falta de apoio regular e de feedbacks que fazem o profissional se sentir valorizado e amparado complementa esse pacote.

Crise econômica

Por fim, é impossível não falarmos sobre o salário. Segundo dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), 40,6% dos reajustes negociados em 2022 ficaram abaixo da inflação medida pelo INPC. Ou seja, as pessoas estão realmente ganhando menos dinheiro – o que faz com que se perguntem por que deveriam trabalhar tanto.

Como é a demissão silenciosa na prática?

Quando um funcionário se envolve em uma demissão silenciosa, ele simplesmente faz o mínimo possível para evitar ser demitido. Na prática, isso pode significar:

  • Não se voluntariar para trabalho extra, funções de liderança ou responsabilidades
  • Não falar em reuniões, a menos que seja abordado diretamente
  • Não responder a e-mails ou mensagens fora do horário de trabalho
  • Recusar tarefas que considera fora do seu escopo de trabalho
  • Ficar isolado do resto da equipe e evitar eventos sociais
  • Tirar um número de dias de doença maior do que o normal (absenteísmo)

Como descobrir a demissão silenciosa na sua empresa

A demissão silenciosa é, por definição, um fenômeno sutil e quase invisível. Isso significa que pode ser difícil provar que isso está acontecendo em seu local de trabalho. Dito isso, aqui estão algumas coisas em que você pode ficar de olho e que podem ajudar na identificação da demissão silenciosa:

Pesquisas de engajamento de funcionários: o envio regular de pesquisas de engajamento de funcionários pode ajudar a identificar qualquer desengajamento generalizado, o que é um forte indício de “desistentes silenciosos” na empresa. Tenha em mente, porém, que aqueles que não estão engajados no trabalho são também menos propensos a se esforçar para preencher pesquisas – portanto, os resultados obtidos podem ser distorcidos.

Métricas de produtividade: a demissão silenciosa costuma andar junto com uma queda na produtividade. Assim, quem já acompanha as métricas de produtividade da empresa pode analisar esses dados para identificar o problema à medida que ele ocorre.

Promoções internas: as pessoas vivenciando uma demissão silenciosa geralmente não são escolhidas para promoções ou novas oportunidades, porque não são vistas como fazendo o esforço extra necessário. Dessa forma, rastrear quem recebe promoções (e quem não recebe) pode ajudar a identificar os funcionários que estão silenciosamente “desistindo”.

Treinamento de líderes: investir em um workshop ou masterclass para líderes serem capazes de observar o fenômeno em sua equipe ajuda bastante na identificação da demissão silenciosa. Além disso, esse tipo de treinamento ressalta às lideranças a importância de constantemente engajar e motivar os funcionários.

Como as empresas podem ajudar os funcionários?

A principal forma de evitar o desengajamento é melhorar a experiência do funcionário. Converse com os funcionários, colete seus comentários e discuta o que pode ser feito para que eles se sintam valorizados. Pode ser tão simples quanto palavras regulares de encorajamento.

Em seguida, certifique-se de que as cargas de trabalho sejam realistas e que haja limites apropriados para manter um equilíbrio entre vida pessoal e profissional. É importante verificar com os funcionários se esses limites estão claros e ajudar a estabelecer um relacionamento aberto e honesto.

Ajude os funcionários a gerenciar o estresse e certifique-se de colocar a saúde mental como prioridade máxima. As empresas devem incentivar os funcionários a cuidar de seu bem-estar por meio da conscientização do bem-estar digital ou de check-ins regulares que não sejam tão formais. As empresas precisam definir limites de trabalho e respeitar esses limites para criar uma cultura de trabalho positiva.

Converse com o funcionário sobre planos de carreira e encontre maneiras de ajudá-lo a atingir seus objetivos finais com tarefas claras e acionáveis.

Como o RH pode responder à demissão silenciosa: 4 ações

Embora a demissão silenciosa seja uma tendência preocupante que pode ter um grande impacto na produtividade da sua organização, há algumas coisas que o RH e as equipes de liderança podem fazer para mitigá-la. Aqui estão algumas ações para tentar:

  1. Trabalhe primeiro no envolvimento do gerente

De acordo com a Gallup, apenas um em cada três gerentes está engajado no trabalho. E como os gerentes são as pessoas que entram em contato com os funcionários todos os dias, é vital abordar isso para impedir que o descompromisso se espalhe pelas fileiras da organização.

Um passo importante que as empresas podem dar é requalificar os gerentes para trabalhar de forma eficaz em um ambiente remoto ou híbrido. Também é importante garantir que os gerentes sejam suficientemente treinados para ajudar os funcionários a reduzir o estresse e o esgotamento – ou isso pode levar a uma demissão silenciosa no futuro.

  1. Crie um senso de propósito

Funcionários que não sentem que seu trabalho tem qualquer propósito ou direção é um dos principais motivadores da demissão silenciosa. E uma das maneiras mais eficazes de lidar com isso (ou de evitá-lo completamente) é criar uma cultura organizacional em que cada funcionário entenda as razões por trás de sua função.

Há muitas maneiras diferentes de conseguir isso, desde a organização de reuniões gerais para compartilhar atualizações, até a distribuição de informes internos que se concentram na missão e nos valores centrais da empresa. O importante é garantir que todos entendam como seu trabalho se conecta aos objetivos da organização como um todo.

  1. Recompense e reconheça as conquistas

Outra razão importante que pode surgir é quando os funcionários não se sentem reconhecidos por seu trabalho. Isso significa que, se você deseja evitar uma demissão silenciosa, precisa garantir que está reconhecendo e recompensando regularmente o bom trabalho de seus funcionários.

Como fazer isso pode diferir de uma organização para outra. Por exemplo, você pode decidir configurar um programa completo de reconhecimento de funcionários – que, de acordo com dados da Deloitte, pode aumentar o engajamento, a produtividade e o desempenho em 14%. No entanto, poderia ser ainda mais simples do que isso: um simples “obrigado” por seus esforços diários já faz uma enorme diferença para o funcionário.

  1. Não perca de vista a cultura da empresa

A cultura tornou-se ainda mais importante e ainda mais desafiadora em meio à ascensão do trabalho híbrido. Assim, uma cultura forte pode unificar os funcionários e ajudar a manter o silêncio sob controle. Ou seja, os empregadores devem se concentrar em “reconquistar” seus colaboradores, fazendo mudanças significativas em sua cultura. Isso é o que ajudará a motivar os funcionários a continuar lutando por mais.

Neste processo, promover uma cultura de valorização também pode ser eficaz, sendo uma ótima maneira de aumentar o engajamento e a retenção.

De acordo com o Achievers Culture Report, do Achievers Workforce Institute, 40% dos funcionários não se sentiram valorizados durante a pandemia. Dessa forma, programas que incentivam o reconhecimento frequente e significativo podem reduzir esse número. Afinal, funcionários que se sentem celebrados e apoiados também têm maior probabilidade de ter um forte senso de pertencimento, que pode ser ampliado ao saber que suas vozes são importantes. Em resumo, é importante que o RH tenha uma rotina de levantamento e análise de dados sobre como os funcionários se sentem e quais mudanças precisam ser feitas em nível de toda a empresa.

Uma palavra final

Por fim, não importa quão grande ou pequeno seja o feedback, a empresa jamais deve negligenciar o impacto que mudanças podem ter na vida do colaborador e a necessidade que cada pessoa tem de se sentir ouvida e valorizada.

Não haverá mudança na demissão silenciosa se as empresas não ajudarem os funcionários a se sentirem considerados e aprenderem a administrar expectativas realistas.

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