Em palestra, Mario Sergio Cortella e Fernando Cardoso mostraram por que a liderança é uma arte

Um dos eventos mais esperados do ano na Integração é a palestra do filósofo Mario Sergio Cortella, no calendário do Workshop de Notáveis. No último dia 13, Cortella, mais uma vez, encantou uma plateia de cerca de 100 líderes para falar sobre a Arte de Liderar.

Neste ano, a palestra teve uma novidade. Quem conduziu a abertura foi Fernando Cardoso, sócio-diretor da Integração. Fernando, que também é escultor, contou como concilia as duas carreiras e mostrou como a arte está conectada ao tema da liderança. “As atividades operacionais estão sendo eliminadas neste momento em que vivemos a chamada revolução 4.0. Isso faz com que os profissionais sejam valorizados não só por capacidades técnicas, mas, cada vez mais, pela sensibilidade, pela capacidade de sentir emoções e deixar aflorar a sua força criativa capaz de levá-lo a deixar sua marca no mundo”, disse.

“Muito boas as palavras do Fernando. Nós, como líderes, precisamos pensar como conciliar esses ensinamentos sobre arte com o dia a dia e a vivência com as pessoas. A liderança não está isenta de um viés de emoção. Esse olhar sobre a arte pode nos ajudar a vencer os desafios do mundo corporativo”, afirmou Nelson Zaha, coordenador de TI da Nexa Resources.

Fernando instigou os líderes presentes a responder o que é arte. A partir desse gancho, Cortella aprofundou as reflexões sobre a arte e sua relação com o papel dos líderes. “Às vezes pensamos que a arte é algo lateral de nossa vida. Pelo contrário, ela é central e permite que a gente enxergue o mundo de forma diferente”, disse. Liderar é uma arte, segundo Cortella, porque o líder tem a missão de pegar algo bruto e polir para apresentar resultados surpreendentes.

O filósofo observou que existem métodos e técnicas para a liderança, mas que, como na arte, o líder precisa agir sem buscar uma mera repetição da realidade. “O que os artistas fazem não é copiar a realidade. É, acima de qualquer coisa, transformar a inspiração que vem da realidade em algo novo”, disse. Nesse processo, a dúvida faz parte do contexto e serve como ponto de reflexão. “Alguém que tenha a intenção de liderar processos, projetos e pessoas não está isento de dúvidas. Mas é alguém que faz da dúvida uma oportunidade para se elevar o resultado, buscando a excelência”, afirmou.

A ideia que perpassou a palestra de Cortella foi que a arte de liderar passa pela capacidade de ultrapassar o óbvio e de estimular as pessoas ao redor a darem o melhor de si. “O verdadeiro líder não forma seguidores, forma novos líderes”, afirmou. “Gostei bastante da palestra. Ela me fez pensar muito sobre a questão da liderança, a necessidade de se aperfeiçoar sempre, além de buscar um novo olhar a respeito das pessoas que trabalham conosco. Cortella nos deu muitos pontos para refletir e agora é pensar como pôr esse ensinamento em prática no dia a dia”, disse Glauce de Oliveira Alves, chefe de setor da área de Treinamento da Câmara Municipal de Barueri.

Uma questão de ética

O professor Edson Herrero fala sobre herança, comportamento e valores nas empresas. Boas práticas garantem uma visão positiva na carreira e nas organizações.

Diante de um cenário com tantas habilidades e competências que o profissional de hoje precisa SER e TER, ser ético nas relações humanas passou a ter um peso determinante em tudo o que realizamos dentro ou fora das organizações.

Lacuna histórica

Em um país marcado por uma herança nada ética desde o descobrimento, passando pelo processo de colonização, catequização e, na história recente, os quase trinta anos de ditadura militar, era de se esperar que nossa performance nesse quesito apresentasse problemas. Pesa também o fato de que, aqueles que deveriam dar os melhores exemplos de conduta, postura e ética, não o fazem: a alta gestão do País. Governo após governo, nesta ou naquela instância, neste ou naquele poder (Executivo, Judiciário e Legislativo), somos espectadores de episódios que desapontam e transmitem valores extremamente equivocados, do ponto de vista ético (corrupção generalizada, interesses individuais privilegiados em detrimento do coletivo etc.). Portanto, somos órfãos desse importante atributo.

Ora, se a sociedade brasileira tem um comportamento distanciado da causa ética, não seria diferente nas organizações, pois a falta de ética nos atinge dentro e fora das empresas. Mesmo porque somos as mesmas pessoas dentro ou fora delas.

A gestão de pessoas

As organizações, preocupadas com esse legado “defeituoso”, assumiram o papel de formar e transmitir a causa ética a seus colaboradores, uma vez que elas precisam, cada vez mais, sobreviver num cenário de credibilidade e confiança, tanto jurídica e, principalmente, comercial, em um universo de competição perene e acirrada. Essa necessidade de conduta ilibada está na direção das certificações internacionais, do cumprimento de prazos de entrega e das normas de qualidade a que produtos e serviços estão atrelados.

Em outras palavras, quem não tem essas práticas perde mercado e, para se atingir essa excelência, as organizações necessitam de pessoas engajadas, comprometidas, continentes e prontas, não apenas nas competências administrativas e técnicas, mas também na postura profissional, na honestidade, na transparência. Afinal, são as pessoas que personificam a seriedade e a retidão de uma organização, e não o código ou manual de conduta ética que está escrito em algum lugar.

Mas afinal, o que ética?

  1. Parte da filosofia que estuda os valores morais e os princípios ideais da conduta humana.
  2. Conjunto de princípios morais que se deve observar no exercício de uma profissão.  

Para Mário Sérgio Cortella, filósofo, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP, AÉTICO é aquele que não tem ética alguma (crianças e pessoas com algum tipo de demência). Já ANTIÉTICO é quem se coloca contrariamente a uma ética.

Cortella considera ainda que a ética seja um conceito universal. Por exemplo: sei que não devo pegar algo que não me pertence, no entanto, se o faço, incorri numa falha de conduta moral, o que se traduz numa imoralidade.

Ética e moral

Falando em moral, cada indivíduo tem a sua, pois ela é formada, delineada e construída a partir do sistema de crenças e valores a que se pertence ou pertenceu. O legado moral ou imoral é construído a partir dos modelos introjetados por figuras de impacto em nossa existência psíquica e, em geral, de acordo com a psicanálise, isso ocorre na primeira infância (entre zero e seis anos de idade).  

Para sermos éticos e morais, portanto, temos de ter algumas virtudes humanas. A ética não existe sem uma base concreta e sedimentada de pelo menos algumas delas. Sem virtudes não há o que sustente um comportamento ético, dentro ou fora das empresas.

Quais são? Polidez, fidelidade, prudência, coragem, justiça, generosidade, compaixão, gratidão, humildade, simplicidade, tolerância, boa-fé.

Somos todos reponsáveis

Mas afinal, de onde essas virtudes vêm? Do nosso sistema de crenças e valores, transmitidos pelos nossos modelos de identificação. No cotidiano da vida, esse legado é passado pelos nossos pais, ou quem ocupa seus lugares. Já na vida adulta, vemos isso traduzido no que as empresas adotaram como Missão, Visão e Valores. Nas organizações, todos são responsáveis pela conduta e postura ética: acionistas, investidores, gestores, equipes e até terceiros.  

Para finalizar, o cuidado com a sua conduta, postura e ética, além da observação das normas e procedimentos no ambiente de trabalho, é a garantia de uma imagem de confiança, credibilidade e visibilidade comerciais (com clientes, fornecedores e parceiros), necessária para a sua sobrevivência e perpetuação em um mercado cada vez mais competitivo, garantindo também uma imagem positiva para a sua carreira.”

Edson Herrero é professor da Integração Escola Negócios, onde ministra o curso Desenvolvimento de Coordenadores e SupervisoresClique aqui e conheça o programa do curso.

A construção do poder, segundo Mario Sergio Cortella

O seminário começa às 8h30 da manhã, como previsto. Cerca de 80 profissionais de diferentes setores se acomodam numa sala de aula onde, durante a manhã e a tarde inteiras, assistirão ao filósofo e professor Mario Sergio Cortella falar sobre a natureza e a construção do poder e as competências necessárias para exercê-lo. Cortella não dispõe de nenhuma apresentação em PowerPoint ou de outro recurso audiovisual para sua aula, apenas um simples flipchart no qual rabiscará algumas poucas palavras, e sua própria voz. Durante as próximas oito horas, com breves intervalos para almoço e coffee-break, ficará evidente que é só disso que ele precisa para manter o interesse de cada um dos participantes na sala.

A cena se repete sempre que o filósofo, ex-secretário municipal de Educação de São Paulo, autor de dezenas de livros e comentarista da TV Cultura e da rádio CBN, é convidado pela Integração Escola de Negócios para dar o curso Poder e Competências, que faz parte da série de seminários Workshop de Notáveis.

Na palestra, o filósofo faz sua própria construção do poder

Cortella sabe que terá “domínio” sobre sua plateia porque detém um elemento imprescindível para tornar isso legítimo: conhecimento. Um conhecimento enciclopédico, demonstrado já nos primeiros momentos do curso. Ao pedir que cada aluno se apresente, ele interage com todos individualmente, aproveitando a resposta de cada um para citar fatos e inspirar reflexões sobre assuntos diversos. Para efeito de uma (brevíssima) amostra, entre os assuntos tratados por Cortella num dia típico do curso, estão: o nome científico do cacau, a cidade paraibana conhecida por produzir a melhor carne-de-sol do país, o significado da palavra “propina” em Portugal, o julgamento do Mensalão, os filmes De Volta para o Futuro, Náufrago e Matrix, a relação entre o filósofo grego Diógenes e o seriado mexicano Chaves, a origem dos nomes dos meses no calendário gregoriano, a influência da geografia urbana na geração de craques do futebol etc.

Pode parecer piada (e Cortella é, de fato, muito divertido), mas aos poucos vai se tornando clara a intenção do palestrante. Assim, num seminário sobre poder, a própria aula funciona como metáfora para as competências que Cortella apresenta como fundamentais para a construção do poder. Demonstrar conhecimento é uma delas. Engajar o grupo na construção de um “saber coletivo” é outra. 

Ao final de um dia inteiro, a plateia sente-se indiscutivelmente mais rica, tendo tirado lições importantes sobre o que faz um líder ser, verdadeiramente, um líder. A seguir, seis lições sobre poder e competências inspiradas pela aula do professor Mario Sergio Cortella.  

Estar no poder é diferente de ser poderoso

1. O exercício do poder é sempre circunstancial. Manter o poder legítimo, portanto, exige competência.

Cortella é o primeiro a admitir: sua autoridade como professor precisará ser construída durante a aula. Para isso, terá de demonstrar competências que legitimarão o respeito dos alunos por ele, como a propriedade com que se expressa e controla o ritmo e a duração do curso. “Espero exercer autoridade, ou seja, um poder legítimo, e não autoritarismo, que é um poder apenas hierárquico”, diz ele. 

A reflexão crítica ajuda a desconstruir o poder

2. Se o poder é circunstancial, e não um dado “natural”, pode ser questionado. Mas pouca gente reflete sobre isso.

Cortella enumera diversos exemplos de como a “naturalização do poder” permeia quase todos os aspectos da vida. Dessa forma, demonstra como refletir, mesmo sobre as coisas mais óbvias, ajuda a desconstruir o poder que não é legítimo. “Tudo carrega poder: o nosso idioma (em que o gênero dominante é o masculino), a arquitetura, a própria geografia”, diz. Ele lembra ainda que o mapa múndi moderno foi elaborado numa época em que a Europa era o “centro de poder” do mundo. “De acordo com o mapa, Estados Unidos e Rússia estão em extremos opostos, e no entanto, a distância entre o Alaska e a Sibéria é quase a mesma que entre São Paulo e Jundiaí.”

Para que haja a construção do poder é preciso haver conflito

3. Nem todo líder se sente à vontade para estimular a reflexão crítica entre seus liderados. Mas a inovação não acontece de outra forma.

“Em última instância, o poder é um concerto entre liberdades conflitantes”, diz Cortella. Segundo o professor, quem está no poder tem a prerrogativa de influenciar um grupo de pessoas que têm ideias, interesses e vontades diferentes. O poder legítimo não sufoca esses conflitos, e sim os administra para conduzir a um objetivo em comum. A meta do bom gestor, portanto, seria ter uma equipe com diversidade na reflexão, mas unidade na ação. Por outro lado, o mau gestor, preferiria não ter seu poder questionado, sufocando os conflitos para criar uma equipe em que “todo mundo pensa igual”. “Esses conflitos precisam existir para que o grupo abandone a visão quadrada, estática, do que pode ou não pode ser feito”, diz ele. “O conflito é criador, inovador, porém não se pode confundir com confronto, que só enfraquece o grupo.”

O jeito mais rápido de se tornar vulnerável é se sentir invulnerável

  4. Assim como o poder legítimo avança com os conflitos dentro do grupo, ele também se beneficia de um adversário à altura.

Não são apenas os liderados que precisam refletir criticamente sobre os limites do poder. O próprio líder precisa fazê-lo constantemente e, para isso, ajuda bastante ter concorrentes capazes. “Um concorrente burro te emburrece porque faz você se sentir invulnerável”. De acordo com Cortella, menosprezar a concorrência seria um erro crasso – expressão que, não por acaso, tem origem na experiência do general grego Marco Licínio Crasso, que no ano de 59 a.C. sofreu uma trágica derrota militar por confiar única e cegamente na superioridade numérica de seu exército contra um povo inimigo.  

A tarefa do poder é servir ao grupo. O poder que apenas se serve, não serve

5. O poder só é vigoroso quando dá margem a ações grupais. Para isso, o respeito é palavra-chave. Tanto respeito pela equipe quanto pelo próprio cargo.

Se há um elemento essencial para o exercício e a construção do poder é o respeito pelo grupo. Esse respeito se manifesta na liberdade que se dá aos conflitos e às diferenças de opinião, mas também de outras formas que costumam ser esquecidas. “Sabe aquele chefe que costuma reclamar das responsabilidades da liderança? Que diz (quase sempre da boca para fora) que preferia ser ‘um peão’?”, pergunta Cortella. Essa postura, segundo ele, desrespeita o seu cargo – e portanto o grupo inteiro. O líder tem que assumir o poder como um patrimônio da equipe.  

Quem não sabe, procura saber. Quem sabe, reparte

  6. Se a finalidade do poder é elevar o grupo, a principal responsabilidade do poder é elevar a competência coletiva. E não há maior competência do que o conhecimento.

  “O maior patrimônio de uma empresa é o seu estoque de conhecimento”, afirma Cortella. “E conhecimento precisa ser gerido, não é commodity”. Para o professor, o líder precisa promover um clima de permeabilidade intereducativa na equipe, que pode ser resumido da seguinte forma: “Quem não sabe procura saber, quem sabe reparte”. Na prática, diz Cortella, o liderado precisa ter liberdade para perguntar, questionar. Já o líder precisa se comunicar com o grupo de forma que todos tenham clareza sobre seus objetivos – sem medo, inclusive, de “falar difícil”. “Uma das tarefas do poder é desvendar, explicar. Se eu elevo o repertório do outro, amplio o meu próprio saber porque ambos partilhamos do mesmo saber coletivo.”