Durante décadas, a relação das pessoas com o trabalho passou por transformações profundas. O que antes era apenas um meio de sobrevivência, aos poucos se tornou símbolo de identidade, realização pessoal e até espiritualidade. Hoje, em muitas conversas corporativas, não é raro ouvir termos como “propósito”, “vocação” e “realização”. Mas será que essa busca constante por significado no trabalho está nos fazendo bem? Ou será que cruzamos uma linha perigosa entre o saudável engajamento e a devoção cega ao trabalho?
Uma breve história da nossa relação com o trabalho
Se voltarmos algumas gerações no tempo, veremos que o trabalho sempre teve um papel central na vida das pessoas — mas seu significado variava bastante:
- Geração Baby Boomer (1946-1964): para essa geração, o trabalho era um pilar de estabilidade. Valorizava-se a lealdade à empresa, o emprego vitalício, a ascensão lenta e constante. Propósito? Era pagar as contas e garantir uma boa aposentadoria.
- Geração X (1965-1980): cresceu vendo pais que sacrificaram tudo pelo emprego. Por isso, buscou um pouco mais de equilíbrio, ainda que a estabilidade continuasse sendo prioridade.
- Millennials (1981-1996): foram criados com a ideia de “fazer o que se ama”. Essa geração entrou no mercado com altas expectativas de que o trabalho traria sentido à vida, não apenas salário.
- Geração Z (1997-2010): já chega com um olhar mais crítico, buscando impacto social, valores alinhados e liberdade, mas também lidando com um mercado precário e inseguro.
Foi nesse caldo cultural que surgiu um fenômeno moderno chamado workism.
O que é workism e de onde ele vem?
O termo workism foi popularizado por Derek Thompson, jornalista da revista The Atlantic, em um artigo que viralizou em 2019. A definição é direta: workism é a crença de que o trabalho é não apenas necessário para a produção econômica, mas também o centro da identidade pessoal e o principal objetivo da vida.
Ou seja, não basta trabalhar — é preciso que o trabalho nos defina, nos salve, nos complete. A carreira vira missão, o cargo vira identidade, o escritório vira altar.
Essa ideia tem raízes profundas na cultura americana, onde o protestantismo e a ética do trabalho sempre caminharam juntos. Mas nas últimas décadas, à medida que a religião tradicional foi perdendo espaço, o trabalho foi assumindo esse papel de dar sentido à existência. Como apontam os autores do Redeeming Productivity, para muitos hoje, “o trabalho é o novo culto. O escritório é a nova igreja.”
O cérebro também busca propósito
Do ponto de vista da neurociência, a busca por propósito não é apenas cultural — é biológica. Nosso cérebro é uma máquina de sentido. Ele precisa entender o “porquê” das coisas para manter-se engajado, tomar decisões e se proteger do vazio emocional. O trabalho, nesse contexto, se torna uma fonte poderosa de validação e recompensa.
Quando sentimos que nossas ações têm impacto ou estão alinhadas com nossos valores, o cérebro ativa circuitos de recompensa, liberando dopamina — o neurotransmissor relacionado à motivação e ao prazer. Essa sensação é parecida com a que sentimos ao alcançar um objetivo importante ou ao sermos reconhecidos. Por isso, buscamos mais do que o salário no final do mês: queremos sentir que contribuímos, que fomos úteis, que fizemos diferença.
O problema é que o mesmo mecanismo que nos impulsiona também pode nos aprisionar. Se a única fonte de dopamina significativa vier do trabalho, qualquer falha ou desconexão pode gerar frustração profunda, ansiedade e até depressão. É o que estamos vendo hoje em tantos profissionais brilhantes, engajados, mas exaustos.
Ter propósito é bom. Mas até que ponto?
Ter um senso de propósito no trabalho pode ser extremamente positivo. Isso não está em debate. Diversos estudos mostram que pessoas que percebem significado em suas atividades têm mais engajamento, motivação e bem-estar. Times que se sentem conectados a um propósito maior tendem a ter melhor desempenho.
O problema surge quando esse propósito se torna obrigação.
Nos dias de hoje, principalmente em ambientes corporativos de alta performance, a pressão para encontrar o “trabalho dos sonhos” ou “seguir sua paixão” pode ser paralisante. Nem todos têm o privilégio de escolher com o que vão trabalhar. E mesmo quem trabalha com algo alinhado ao próprio propósito, sabe que nem todos os dias são inspiradores. Há tarefas repetitivas, burocracias, prazos, frustrações.
Quando idealizamos demais o propósito, corremos o risco de:
- Confundir trabalho com identidade: você não é o seu cargo. Quando tudo gira em torno da carreira, qualquer revés profissional pode desestruturar toda sua autoestima.
- Ignorar os limites pessoais: o discurso de que “quem ama o que faz não trabalha um dia sequer” pode levar ao burnout silencioso de quem acredita que precisa estar 100% feliz o tempo todo.
- Criar uma cultura tóxica de comparação: nas redes sociais, vemos apenas a vitrine da paixão alheia, o que pode nos fazer sentir inadequados por não estarmos “vivendo de propósito” o tempo todo.
O que podemos fazer, então?
O propósito no trabalho é valioso, sim. Mas ele precisa ser realista, acessível e saudável. Não deve ser um fardo, nem um instrumento de cobrança constante.
No mundo corporativo, é hora de fazer uma revisão:
- Empresas precisam deixar de romantizar o propósito como se fosse uma fórmula mágica de produtividade e reconhecer que ele deve vir acompanhado de boas condições de trabalho, respeito aos limites e apoio à saúde mental.
- Líderes devem entender que inspirar não significa pressionar. Propósito não se impõe; se constrói com diálogo e alinhamento entre o que a empresa oferece e o que o colaborador valoriza.
- Profissionais precisam resgatar outras fontes de sentido na vida. Amigos, família, hobbies, espiritualidade, causas sociais — tudo isso também importa. O trabalho é parte do que somos, mas não é tudo o que somos.
Em resumo
Propósito é bom. Idolatria ao trabalho, não. Talvez a verdadeira pergunta que devamos nos fazer não é “será que estou trabalhando com propósito?”, mas sim: “será que estou vivendo com equilíbrio?”.
Porque, no fim do dia, não é o trabalho que deve dar sentido à nossa vida — é a nossa vida que deve dar sentido ao trabalho.
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